quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Marechal Gomes da Costa e as "suas" Medalhas da Cruz de Guerra



Embora o titulo possa induzir o leitor em erro a uma primeira vista, convém esclarecer de imediato que não vou, pelo menos neste texto, falar da Cruz de Guerra de 1º Classe que ostenta o Sr. Marechal Gomes da Costa.
Vou antes partilhar um texto das suas memórias onde elogiando a valentia, coragem e humanidade do Soldado Português expedicionário à Flandres, fala não daquela Cruz de Guerra que mereceu, mas daquelas que deu a merecer aos mais valorosos filhos da Pátria Portuguesa.

Assim escreveu:

"Quando hoje se ouve dizer, - os soldados são excelentes,- não é isto um simples cumprimento: são-o realmente. Há neles alguma coisa grande e de belo sob a sua casca rude; a sua delicadeza é toda interior. Pertencendo à categoria dos "incultos, rudes, mal educados, sem preparação, sem maneiras", é nesta vida selvagem da trincheira que mostram o que são e o que valem; - verdadeiros tesouros sem baixeza nem crueldade.

Espreitam o alemão pela ranhura de mira da alça e metem-lhe a bala na cabeça, se o "boche" cai em a meter na sua linha de mira; mas se um "boche" que o fere, levanta em seguida, ferido também, as mãos, agarra nele, leva-o à ambulância, cura-o, dá-lhe o seu pão, dá-lhe o seu vinho, dá-lhe a sua camisa.

Devemos todos inclinar-nos cheios de respeito e cheios de admiração diante deste pobre  "gambúzio", que meteram num navio com uma arma às costas, sem lhe dizerem para onde ia; que colocaram numa trincheira diante do "boche", sem lhe dizerem por que se batia; que passou meses queimado pelo sol do fogo, enregelado pela neve, atascado em lama, encharcado, tiritando com frio, encolhido num buraco enquanto as granadas lhe estoiram em redor; carregando à baioneta quando o "boche" avança e que, com uma perna partida, ou o crânio amachucado por uma bala, estendido no catre da ambulância, ao ver-nos, tinha uma alegria imensa no olhar, murmurando:  O nosso giniral! Aí vem o nosso giniral! Oh meu giniral, agora ganhei a Cruz de Guerra? Pois não?

E nunca me há de esquecer a impressão que um destes pobres seres me causou, quando, ao pregar-lhe a Cruz na camisa da ambulância que vestia, o pobre, não podendo mexer os braços, ambos partidos, estendeu a cabeça e me beijou as mãos...

E outro, muito pequeno, a quem ao dar-lhe o abraço que era costume meu dar àqueles que recebiam a Cruz de Guerra, me abraçou pela cintura e ali ficou preso numa convulsão...

São verdadeiros tesouros, que não podemos deixar de estimar e admirar depois de com eles viver na guerra. E é por isso que natural e instintivamente, os que como eu compreendem põem na continência, com que à sua correspondem, um respeito real e sincero, que está fora dos nossos hábitos.

E há resmungões no meio de isto tudo, porque resmungar é uma paixão do soldado, ou por outra uma distracção, quando tudo corre bem! Pelo contrário, quando tudo vai mal, ninguém resmunga.

Ao terminarem um parapeito, com toda a perfeição, a terra varrida à vassoura, os taludes bem direitos, as arestas bem vivas, vem um morteiro pesado e esmaga tudo.

O bom do "gambúzio" olha para a sua obra de oito dias destruída, e resmunga: Ora, responde outro, isto é bom para não engordarmos muito.

A noite é escura, o frio aperta, os homens estão cobertos de lama gelada, o seu dia de trabalho destruiu-o o "boche" num minuto, é preciso recomeçá-lo; e, sem mau humor, recomeçam-no.

Era preciso uma pena fácil e elegante para mostrar a todo o Portugal quanto valem os nossos soldados e quanto merecem que por ele façam.

A morte, encaram-na de frente e rindo, e em cada minuto da vida de trincheira praticam actos de generosidade, desprendimento e heroísmo espontâneo, que na vida civil estabeleceriam reputação."

A imagem que abre este texto mostra o Sr. Marechal a uma secretária de despacho depois do Golpe de 17 de Junho de 1926, em uniforme de campanha, ostentando apenas e como era de sua maneira e costume e também de legislação, a Cruz de Guerra Portuguesa e curiosamente, pela mesma medida uma vez que de uma Cruz de Guerra também se tratava, a medalha Italiana Cruz ao Valor de Guerra.
Era grande o apreço que tinha o Sr Marechal pela MCG; são muitas as photografias onde o podemos ver fazendo uso apenas da nossa Medalha da Cruz de Guerra.
 Este Uniforme e esta combinação de condecorações é exactamente a mesma que envergará a quando da sua partida para o exilio ainda em 1926.

A imagem que encerra o texto, ilustra de forma magnifica as palavras deixadas por Manuel Gomes da Costa; tirada antes da sua partida para Lisboa após lhe ter sido retirado o comando do CEP, fez questão de premiar com a MCG os que por valentia cravaram no solo da Flandres o nome de Portugal. Ao acto de solene e institucional seguia-se o acto humano de fraternidade e reconhecimento que só um abraço entre Camaradas transmite.

Já reparam por certo que é uma versão estilizada deste “instantâneo do front português” que há largos meses serve de fundo a este vosso Blog.